Autorretrato: Mulher libertária
Nasci
nesses lugarejos escondidos nos mapas. No afã de conhecer a vida, lia os livros
do mundo e me encantava com o que via nas páginas, desejava conhecer os
longínquos lugares apresentados. Mas meu
meio familiar me obrigou a exercitar a filosofia da ausência, faltava quase
tudo. Ao meu redor, o vislumbre era seca, pobreza e o destino do casamento para
as mulheres.
Naquele
lugar, desde menina sabia o determinismo da minha sorte, porém a literatura me
mostrou que havia outras existências. Fugi desse destino. Rosário de trabalho.
Muito estudo. Noites mal dormidas. Porém o sonho era sacrossanto: ser uma
mulher livre. Desventuras, asperezas e alguns prantos não me alquebraram. Foi
então que passei a acreditar que minha têmpera era mais forte que as pedras que
margeiam o rio da minha cidade.
Aos
treze anos saí de onde nasci para estudar o segundo grau em Picos, dividia um
quarto sem janela com mais quatro primas e irmã. Todas nós cursávamos a escola
Normal, para ter o salvo conduto de uma
profissão.
Mas
eu sonhava com mais, e aos dezesseis,
fui cursar a faculdade na capital, minha mãe, na sua ingenuidade, me deu
o seguinte conselho: filha, na Universidade, cuidado com as pessoas más, na
hora do intervalo fique perto dos professores! Ela acreditava que os educadores
são aqueles que conduzem os alunos para o bem! Ela estava certa!
Eu
morava em um bairro distante em Teresina, longe de tudo, passava horas nas
paradas de ônibus, indo para a faculdade, ou indo para um dos empregos,
necessários para sobrevivência e custear meus estudos. Na Universidade, fiz
poucas amizades em um curso elitizado, assim eu fiz da biblioteca, meu refúgio,
entre as estantes de livros, eu passava as horas e achava que poderia
conquistar o mundo. Foi em outros ambientes, como o da luta sindical que
ampliei minha vida social e fiz minhas primeiras grandes amizades na cidade
grande.
Como
dentista, assumi a missão de aliviar as dores dos outros, talvez numa forma
atávica de minorar as angustias da minha alma. Um dia não tive mais
necessidade. Após vinte e poucos anos, senti-me cansada do labor manual e da
monotonia da profissão. Abandonei os
fórceps e cingi definitivamente a literatura e a docência, que sempre foi uma
segunda atividade. Aprendi coisas na
vida que não encontrei nos livros. Não
há mais pressa, é tempo de sentir e vivenciar os sentimentos mais simples.